Pregadores ou Apascentadores?

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Pregadores ou Apascentadores?
Série Visão Ministerial – Estudo II

Leia os seguintes versículos de Êxodo 32:
7 Então disse o Senhor a Moisés: Vai, desce; porque o teu povo, que fizeste subir da terra do Egito, se corrompeu;
9 Disse mais o Senhor a Moisés: Tenho observado este povo, e eis que é povo de dura cerviz.
10 Agora, pois, deixa-me, para que a minha ira se acenda contra eles, e eu os consuma; e eu farei de ti uma grande nação.
11 Moisés, porém, suplicou ao Senhor seu Deus, e disse: Ó Senhor, por que se acende a tua ira contra o teu povo, que tiraste da terra do Egito com grande força e com forte mão?
12 Por que hão de falar os egípcios, dizendo: Para mal os tirou, para matá-los nos montes, e para destruí-los da face da terra?. Torna-te da tua ardente ira, e arrepende-te deste mal contra o teu povo
.
30 No dia seguinte disse Moisés ao povo Vós tendes cometido grande pecado; agora porém subirei ao Senhor; porventura farei expiação por vosso pecado.
31 Assim tornou Moisés ao Senhor, e disse: Oh! este povo cometeu um grande pecado, fazendo para si um deus de ouro.
32 Agora, pois, perdoa o seu pecado; ou se não, risca-me do teu livro, que tens escrito.

Esta é uma daquelas muitas passagens que a gente marca na mente e no coração quando nos propomos à leitura integral da Bíblia. Porém uma experiência pessoal no pastorado fez com que ela ficasse muito mais realçada e residente desde há alguns anos no meu coração como que aguardando o momento em que eu pudesse registrá-la ou testemunhá-la.

Em certo culto de domingo, numa daquelas ocasiões em que o Senhor cerra os céus e só manda a visão da mensagem da noite momentos antes da pregação, abri a Bíblia ali atrás do púlpito enquanto o culto transcorria normalmente. Ao olhar para o versículo que parecia ser o único impresso naquelas duas páginas abertas, meu coração tremeu. Era uma daquelas passagens em que o Senhor falava irado com Israel por causa de seu pecado. As palavras eram duríssimas e por mais que eu tentasse contorná-las, fosse buscando referências ou um segundo sentido para elas, era inútil – aquela era a mensagem da noite.

Com essa certeza olhei para a igreja, e na posição de apascentador, a qual nos dá ciência até da situação doméstica de boa parte dos presentes, pude perceber um semblante abatido e triste na igreja. Havíamos passado recentemente por algumas lutas e embora não tivéssemos tido nenhum prejuízo grave, estávamos todos cansados e buscando renovo.

Diante daquele quadro senti no coração um grande aperto e entendi pelo Espírito Santo que deveria conversar com Deus. Não havia tempo para uma oração longa mas havia o suficiente para umas poucas palavras, se fossem colocadas com a maior sinceridade. Intercedi a Deus pela igreja, me incluindo nela. Usei toda a objetividade e amor de que dispunha. Quando terminei meu "telegrama" imediatamente olhei para a Biblia, para aquele mesmo versículo e vi que continuava com todas as suas palavras no lugar, mas estava apagado – estava selado, pois o lia e relia mas não encontrava mais seu significado.

Então compreendi que o Espirito Santo me autorizava a procurar outra passagem. Fechei a Bíblia e reverentemente a reabri. Ao ver um versículo naquelas páginas quase que "incendiar-se" diante de meus olhos tive dificuldade em conter a emoção. A nova passagem aberta era um bálsamo para corações cansados, feridos ou buscando alívio.

Depois daquele culto, meditando sobre a experiência vivida, me veio ao coração a passagem de Êxodo 32 como selecionada acima. Foi dessa forma que o Espirito Santo me despertou para uma coisa que nenhum pastor deve esquecer: o nome da posição que ocupa e o que ela significa. Ele me levou a compreender que o aperto daquela noite de pregação tinha o objetivo de me ensinar que eu não ocupo essa posição apenas para pregar no sentido simples da palavra e que devia estar alerta quanto a distância que pode haver entre o pregar e o apascentar se passasse a fazê-lo apenas pela obrigação do cargo, ou dos convites, ou ainda por simples cumprimento da programação dos cultos.

Naquela mesma ocasião me veio à memória, como um reforço àquela advertência, as várias vezes em que ouvi pregadores dizendo que iriam falar o que Deus mandou mas que depois de um sermão carregado de acusações e palavras de ordem, encerraram seus discursos, cobraram em alguns casos as ofertas da noite e depois viraram as costas e foram embora dizendo terem feito a sua parte, sem ao menos aproveitarem o uso da tribuna de Deus para interceder pelos supostos transgressores, além de deixar o pastor local com o "reboliço" para aplacar e com várias feridas para curar no rebanho.

Por causa disso é que de vez em quando relembro aos ministros e pregadores de nossa igreja as palavras de um grande mestre cristão pelas quais ensinou que o pregador que toma em suas mãos uma igreja cansada ou desanimada e após a pregação a devolve ao mundo refeita ou restaurada é o que cumpre o seu dever.

Não quero que se ignore a austeridade ou a necessidade de ordem, correção ou até aplicação de disciplina, às vezes necessárias, mas que os líderes revejam a maneira como as encaram.

Já testemunhei igrejas que têm por costume elogiar um pregador ou pastor dosando seu entusiasmo de acordo com a autoridade ou a intensidade do rigor das palavras usadas em sua pregação. Para muitos Deus só fala bem quando o pregador traz uma mensagem do tipo "cajado".

Entretanto muitos líderes ignoram que ao sair de casa rumo à igreja, algum integrante dela, que esteja passando por tribulação ou alguma aflição espiritual poderá estar fazendo isso com tristeza pois sabe que está indo para ouvir mais uma sessão de repreensões ao pecado alheio, fruto de erros em que muitas vezes não teve a menor participação. Isso pode fazer com que seu coração, já há algum tempo sem receber alimento espiritual, seja frequentemente assaltado pela vontade de mudança e acabar encontrando uma opção ao passar à frente daquela igreja que, segundo a ironia de seu pastor, "só sabe falar de amor!".

Em outro caso, certa feita um irmão me consultou perguntando se devia entregar um recado de Deus a outro irmão de nossa igreja. Sua consulta se motivava pela seriedade da revelação que este dizia ter recebido de Deus. Porém ao perguntar-lhe sobre qual era a instrução de Deus para que aquela vida pudesse enfrentar o que lhe aguardava este disse que ainda não sabia. Diante disso não tive dúvidas – pedi-lhe que não entregasse o recado sem a devida instrução, ou seja, que buscasse conhecer a mensagem inteira.

Todos estes fatos não cessaram de povoar minha mente e meu coração desde aquela noite. Estaríamos nós pastores trabalhando como apascentadores do rebanho ou apenas nos comportando como simples repassadores de mensagens?

Na vida secular é comum vermos por exemplo chefias de trabalho repassarem integralmente a "bronca" do gerente a seus subordinados, sem poupar nem absorver nada (as vezes até acrescentando sua própria indignação) – muito parecido com o relacionamento que alguns líderes parecem ter com Deus e com a igreja. Mas seria correto um pastor agir desta forma com o rebanho de Deus? Eu penso que não.

Minha opinião, baseada nos exemplos bíblicos e na experiência pessoal é que um apascentador de verdade sempre dirá o que o Senhor mandar, mas nunca sem antes interceder pelo povo quaisquer que sejam seus méritos. É verdade que nem sempre sua intercessão mudará a mensagem da noite, mas sabendo de seu amor pelo rebanho de Deus e sua paixão pelas almas ainda não salvas, os quais farão com que absorva parte, tanto da alegria de uma mensagem de vitória quanto do amargor ou da tristeza de uma mensagem de juízo ou reprovação vindas de Deus, um apascentador sempre terá algo a dizer ao Pai quanto a situação das ovelhas.

Essa postura traz para este indivíduo um grande preparo para enfrentar outra situação cruel para aquele que conduz com devoção e amor: quando há a necessidade de disciplina. Às vezes alguma ovelha se desgarra e traz sobre si ou sobre as outras uma situação de perigo e precisará experimentar uma outra função do cajado – a de fustigar a desobediência.

Para certos líderes a disciplina a alguém representa uma oportunidade para demonstrar sua austeridade e compromisso com a "justiça de Deus". Para outros porém, apesar de ser uma situação desagradável e que deve ser evitada com dedicação, também será mais uma oportunidade para uma avaliação da qualidade de seu ensino, considerando que o erro poderá ser de total responsabilidade do infrator, ou simples consequência do mal desempenho daquele(s) que ensina(m), ou ambos.

O que estou tentando recomendar é o exercício do amor com compromisso na condução do rebanho de Deus, sobretudo evitando as situações em que algum elemento da comunidade possa se sentir menos amado.

Na passagem de Êxodo, entre os versos 12 e 30, temos o relato de um duríssimo episódio de juízo e repreensão. Enquanto Moisés procurava dissuadir a Deus de sua intenção de exterminar o povo ele não imaginava o grau de apostasia e idolatria a que tinham chegado em apenas 40 dias. Pode ser que a proposta de Deus (no verso 10) lhe tenha vindo à mente como uma oferta tentadora quando ele viu com os próprios olhos a ingratidão e a idolatria de Israel.

Contudo, apesar de ter sido obrigado a aplicar tão terrível disciplina ele não tardou em se reerguer e se preparar para comparecer diante do Senhor. No verso 30 vemos sua disposição e planejamento.

As escrituras declaram que Moisés se tornara num homem muito manso (Nm 12:3), o que pode indicar uma grande sensibilidade aos sentimentos do povo, o que com certeza o moveu para o cume do monte, pois àquelas alturas o medo de um dano maior vindo diretamente de Deus deveria estar aterrorizando o coração dos hebreus.

Neste ponto analise a situação – o povo havia agido e procedido impiamente como o Senhor havia dito, e foi Ele próprio quem apontou uma solução, embora muito radical e traumática. Mas o que seria ver Deus exterminar o povo depois de ter visto irmão contra irmão cairem ao fio da espada? Eu penso que na mente de Moisés estavam os rostos dos murmuradores, dos idólatras e maldizentes, mas também estava os rostos dos inocentes e fiéis adoradores do Senhor – e eu creio que por minoria que fossem no meio do povo Moisés, como verdadeiro apascentador que era, levou-os em conta.

Mas sobretudo vejo um motivo ainda mais forte para a defesa "suicida" de Moisés: a própria palavra de Deus. Certamente ele trazia em seu coração que Deus não faria o que fez no Egito por nada, além do que, não podendo mentir Ele haveria de cumprir sua obra pelo menos até que o povo chegasse à terra prometida (versos 11 e 12). Vale lembrar também que o motivo maior da retirada de Israel do Egito foi exatamente a compaixão de Deus aos sofrimentos e clamor do seu povo (Ex 3:7-9).

Acredito também que Moisés, sendo um homem que falava diretamente com Deus, pôde identificar nas palavras que o Senhor lhe dirigira a realidade de Sua reprovação à infidelidade do povo, mas também uma prova de suas convicções como líder deles. Diante disso vemos nas atitudes que se seguiram um excepcional desempenho do patriarca, pois tendo contemplado o teor da ira de Deus e testemunhado a profundidade do abismo de idolatria e incredulidade de Israel, ainda assim soube manter seu ministério de forma louvável e historicamente exemplar.

Por isso creio no ministério pastoral como sendo uma vocação para a condução do rebanho, a qual apesar de se ocupar com orientações muitas vezes exaustivas e frequentes ajustes de curso, sempre faz com que o pastor da igreja se preocupe, além da ordem e disciplina, com a assistência, a segurança, a saúde e o amparo de seus integrantes, sobretudo os mais fracos ou doentes.

Em última análise eu defendo que todo pastor consciente e responsável traz no coração o desejo e a ansiedade de quando for prestar contas do rebanho que lhe foi confiado, como fez Cristo - o maior pastor, poder entregá-lo intacto e dizer as mesmas palavras da oração do jardim: "Enquanto eu estava com eles, eu os guardava no teu nome que me deste; e os conservei, e nenhum deles se perdeu, senão o filho da perdição, para que se cumprisse a Escritura" (Jo 17:12).

Nesta visão temos que o amor do apascentador sempre lhe creditará a confiança e o afeto de sua igreja, o que dispensa o uso dos artifícios que certos líderes empregam para conquistar e manter. Essa interação com o rebanho também faz dele um mestre vigilante ao contexto secular para trazer orientações claras e úteis, buscando garantir que nenhum de seus integrantes se perca ou morra pela ignorância à realidade profana proporcionando-lhes segurança e firmeza na caminhada

Que o Senhor desperte mais apascentadores no meio de sua igreja e que aqueles que já empunham o cajado o usem também para marcar a trilha do pastorado, abrindo oportunidade para aqueles que se sentirem chamados, pois mesmo ao final de 20 séculos percebemos como essa figura importante no meio dos servos de Deus é necessária, mas também o quanto é difícil de ser formada e encontrada.

"Então disse a seus discípulos: Na verdade, a seara é grande, mas os trabalhadores são poucos. Rogai, pois, ao Senhor da seara que mande trabalhadores para ela" Mt 9:37,38.

Pr. Carlos V. Ricas